quinta-feira, outubro 23, 2003

O Orçamento 2004, a gestão da Administração Fiscal e Modernização da AP (2 de 3)

1. Aprovado o Orçamento 2004, cabe agora à administração tributária dar-lhe execução no que se refere à arrecadação das receitas fiscais.

O actual governo tomou posse em 6 de Abril de 2002, tendo elaborado nesse ano um orçamento rectificativo e o orçamento para 2003; a actual equipa do ministério das Finanças não sofreu qualquer remodelação, e, por despacho de 1 de Julho de 2002 do primeiro-ministro foram nomeados novos directores-gerais da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e da Direcção-Geral dos Impostos, que tomaram posse no dia 8 do mesmo mês.
No caso particular da DGCI, o seu director-geral teve liberdade para substituir os sub directores-gerais que entendeu, pelas pessoas que escolheu.

Nestas condições é inevitável que uma análise do orçamento para 2004, na perspectiva do que se pretende ou se vai efectivamente arrecadar em matéria de receitas fiscais, esteja associada ao que foi feito durante quase um ano e meio. Quando se fala em receita fiscal não podemos, como os senhores deputados e muitos jornalistas, partir do princípio de que existe um processo automático de cobrança de impostos, como se tratasse da gestão de uma mera conta bancária; a arrecadação das receitas fiscais inscritas no orçamento vai depender da boa gestão de uma organização que envolve mais de 13.000 funcionários, colocados em mais de 700 unidades orgânicas, isto é, o sucesso do orçamento 2004 vai depender, em última análise, da sua gestão, motivação, disponibilidade e produtividade.

2. Neste quadro, o orçamento 2004 merece-nos os seguintes comentários:
O orçamento 2004 evidencia uma falta de ambição ao estabelecer para a recita fiscal de 2004 uma previsão de montantes idênticos ao do orçamento rectificativo de 2002.
Estamos perante indicadores da evidente ineficácia da administração fiscal; se considerarmos todos os factores (inflação, crescimento fiscal, aumento da taxa do IVA, não actualização dos benefícios fiscais e o padrão recente de melhoria de eficácia da administração fiscal) o crescimento deveria cifrar-se nos 5%, isto é, face a uma quebra de receitas na ordem dos 3,6% estamos perante uma queda das previsões na ordem dos 8,6% (2.546 mil milhões de euros).
Em relação às receitas cobradas em 2001 a previsão do orçamento 2004 aponta para uma quebra de 7,8% da receita: considerando a inflação entre 2002 e a prevista para 2004, a evolução do PIB, um padrão de melhoria da eficiência fiscal idêntica à do passado recente (2%), o aumento da taxa do IVA o aumento efectivo da receita deveria situar-se em torno dos 17,4% e não 7,83% como se prevê (uma diferença de 504 milhões de contos).
Mas se compararmos os dados do orçamento 2004 com a situação de 2003 a situação evidencia uma projecção extremamente ambiciosa.
Sem impacto significativo na receita o orçamento 2004 apresenta ainda algumas curiosidades:
A não actualização da verba para a remuneração de presidentes de juntas que exerçam as funções a tempo inteiro.
A quebra de receitas é compensada por novas taxas (sobre antenas parabólicas, antenas de telemóveis, extracção de inertes, e ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo), sem limites estabelecidos.
Extinção do regime de IRS para os agentes desportivos que tinha sido prorrogado todos os anos.
Redução da taxa de IRC que, aliás, estava prevista na Lei n.º 30-G/2000, redução que apenas beneficiará algumas grandes empresas.
Eliminação do benefício fiscal (taxa reduzida de IVA) aplicável às prestações de serviços de assistência ao domicílio para crianças, idosos, toxicodependentes, doentes e deficientes.
Extinção do incentivo à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida.
Não actualização de diversos benefícios fiscais.

3. É evidente que 2003 é um buraco negro na história recente da administração fiscal, e parte dos sacrifícios pedidos aos portugueses serve para suportar os custos de uma DGCI mais ineficiente.
Há razões suficientes para esta situação:
Em 2002 a Ministra das Finanças leva o director-geral dos Impostos a pedir a demissão com afirmações públicas que apenas serviram para provocar desconfiança em muitos funcionários do fisco; ainda por cima os governantes deram expressão pública às insinuações de corrupção protagonizadas pelo famoso Borda d'Água ou por personalidades mais ou menos públicas que têm mais ou menos interesses no domínio da fiscalidade. Como se isso não bastasse quando se pressionou o director-geral a demitir-se não se contava com uma alternativa, tanto mais que o director-geral empossado não foi propriamente uma primeira escolha. A Ministra das Finanças ainda chegou a tomar uma posição digna numa Comissão da Assembleia da República, mas era tarde…
O novo director-geral, sem qualquer domínio da fiscalidade (excepto o facto de exercer as funções de revisor oficial de contas) e originário da Inspecção-Geral de Finanças, deixou de contar com 4 sub directores-gerais (3 aposentaram-se) colocando sub directores-gerais da sua confiança, parte deles também originários da IGF (apenas a sub directora-geral responsável pelos recursos humanos não é da sua safra e por sinal o mais bem considerado dos novos dirigentes). Um quinto sub director-geral com muitos anos de experiência no domínio dos IRs foi forçado (ao que parece contra a vontade do SEAF) a abandonar o IR para passar a funcionar como seu adjunto, acabando por se aposentar em Setembro.
Impostos como os IRs e o IVA são assegurados por um sub director-geral proveniente da IGF (ao contrário de 2 especialistas nestes impostos como sucedia no passado; nos impostos sobre o património mantém um sub director-geral que adiou a aposentação estando a colaborar com o SEAF no lançamento da reforma dos impostos sobre o património, reforma a que o director-geral liga como raposa a vinha vindimada.
O gabinete do director-geral passou a ser conduzido por uma "chefe de gabinete" (até assina nessa condição) e por uma secretária toda poderosa.
O esforço de modernização das instalações foi interrompido (na inauguração de Abrantes foi reintroduzida a miserabilista sinalética assente em fotocópias A4), o que não se compreende dado que numerosas repartições não dispõem de condições para desenvolvimento da rede informática, principalmente na zona de Lisboa. É incompreensível que as futuras (?) instalações da Direcção de Finanças de Lisboa localizadas no Parque das Nações quase prontas a serem utilizadas (e com menores custos) ainda aguardem, segundo O Diabo, por uma ou umas licenças, ou que tenha sido abandonado o projecto de renovação das instalações de Queluz (o que era caro para o Ministério das Finanças afinal foi barato para o ministério da Justiça).
As conversas de corredor e o diz que disse multiplicaram-se e muitos se queixam de que ninguém sabe quem manda ou a quem se dirigir quando é necessária uma instrução. A DGCI é hoje uma instituição onde:
Se diz que director-geral e Secretário de Estado não se falam nem se entende.
A elaboração de uma reforma como a dos impostos sobre o património passa ao lado do director-geral.
O director-geral visitas os serviços dirigindo-se aos balcões com a pergunta "o senhor(a) sabe quem eu sou?"
Todos os dias são feitos prognósticos para a data da saída do director-geral.
4. Quando se soube que a Dra. Manuela Ferreira Leite iria assumir o cargo de Ministra das Finanças (muitos esperavam pelo Dr. Miguel Cadilhe) numerosos funcionários sentiram um calafrio, provocado pela má memória de um antigo director-geral nomeado quando a actual Ministra era Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento (com o Prof. Braga de Macedo como ministro das Finanças) que Dr. catroga se encarregou de "despachar".

Apesar dessa má memória, com o tempo se a Ministra não conquistou o coração dos funcionários mas, pelo menos, ganhou a confiança de muitos na sua honestidade e no seu empenho; todavia, os serviços, no seu dia a dia, não são geridos pela Ministra nem pelo Secretário de Estado (cuja oposição não foi suficiente para o sub director-geral responsável pelos IRs ser deslocado para adjunto do DG).

Por outro lado, os investimentos realizados em informática apenas farão sentir os seus resultados se bem orientados (para quando a informatização das execuções fiscais? dizia a Ministra na posse do Director-Geral: Das suas várias vertentes destacaria o programa estratégico da maior importância que é o do "sistema das execuções fiscais, que já vigorará em grande medida no ano corrente, e que permitirá o acompanhamento informático de todos os processos de execução fiscal, constituindo não só um instrumento potencial de acréscimo de arrecadação de receita, mas também uma forma de obviar à situação recentemente denunciada pelo Senhor Provedor de Justiça quanto à questão da caducidade de impostos") e nunca a curto prazo; é necessário modernizar mentalidades, culturas, modelos de gestão e de organização.
Os problemas da DGCI carecem de solução, e uma maioria esmagadora de funcionários honestos e disponíveis para o esforço de que o país carece em matéria de arrecadação dos impostos devidos, contam que um dia a DGCI seja gerida por gente com capacidade efectiva de gestão (e não necessariamente de currículos estranhos) e rigor, e não de personalidades que claudicam perante os problemas.
Concluimos recordando os dircursos feitos por ocasião da tomada de posse dos novos directores-gerais da administração tributária pelo actual Director-Geral dos Impostos:
"Está na altura de provarmos que, todos nós, fomos escolhidos entre os portugueses, porque reunimos as melhores condições para servir os nossos concidadãos nestas importantes funções de interesse público."
e pela Ministra das Finanças:
"O País está-vos decerto agradecido por terem aceite este difícil desafio. Não quero escamotear, no entanto, que esse mesmo País que agora vos agradece, aguarda expectante resultados decisivos da vossa actuação neste importante domínio e será exigente no julgamento do vosso desempenho."