quinta-feira, novembro 02, 2006

Que Futuro Para A Função Pública?


Apesar de todos os males que lhe são atribuídos a Administração Pública da desvalorização sistemática da Função Pública ao estado exige-se cada vez mais e a sua modernização implica uma elevada qualificação dos seus quadros, para não referir sectores como a justiça, investigação científica, medicina, ou universidades, onde os "funcionários públicos" terão que estar entre os profissionais mais qualificados.

Campanhas sistemáticas que visam atingir a AP, seja quando falham os fundos comunitários a que muitas empresas se habituam ou quando os apertos orçamentais limitam o uso das tesouras das inaugurações aos políticos, têm dado uma imagem distorcida, injusta e ofensiva dos funcionários públicos. Ineficácia, funcionários preguiçosos, serviços que funcionam mal, enfim, uma infinidade de males que quando vindos do Estado toda a gente repara, mas quando são identificáveis numa empresa privada isso deve-se a falta de competitividade, a uma legislação laboral pouco flexível e, se mais argumentos não houverem, a culpa é, em ultima instância, do peso do Estado.

Mas o Estado também são as universidades, os laboratórios de investigação, os hospitais onde diariamente são estudadas e adoptadas novas técnicas e tecnologias, dezenas de serviços que representam o Estado e os mais diversos sectores da economia e da sociedade em complexas negociações em Bruxelas e nos mais diversos fóruns, e muitas outras áreas de elevada complexidade técnica. Pergunte-se, por exemplo, quanto ganham os funcionários que na ANACOM ou na Autoridade para a Concorrência estão a avaliar as condições da OPA que a Sonae lançou sobre a PT e que envolme milhares de milhões de euros, ou quanto ganham os funcionários do ministério da Agricultura que vão a Bruxelas negociar a gestão dos mercados agrícolas.

Apesar de haverem milhares de quadros altamente qualificados a trabalhar ao preço de uva mijona, o Estado sempre teve alguma capacidade de atracção de quadros e foi capaz de se renovar. A questão que se coloca é se isso é possível no futuro.

Os governos têm sido incapazes de reconhecer que o Estado carece de quadros superiores altamente qualificados, tudo têm feito para desprestigiar as carreiras da FP, pagar-lhes o menos possível e ainda por cima consideram-nos as causas de todos os males. A não ser as carreiras de que os políticos têm medo, como os magistrados, todos os outros funcionários têm vindo a ser desvalorizados, como se fossem facilmente substituíveis ou como se estivessem a mais.
Já há sinais evidentes da degradação da qualificação dos funcionários públicos, são disso exemplo a frequência com que os gabinetes recorrem a assessores vindos do sector privado ou os milhões de eruos que se pagam em estudos feitos por empresas privadas. É também prova disso a multiplicação de investigadores que vivem de bolsas que desempenham o mesmo papel que o rendimento mínimo.

Mais tarde ou mais cedo, basta esperar que as gerações actuais atinjam a idade da aposentação, o Estado vai ter grandes dificuldades em ter nos seus quadros os técnicos altamente qualificados de que carece, poucos são os que estarão interessados em carreiras que os políticos maltratam sempre que há dificuldades, os poucos que se revelarem capazes serão disputados pelas empresas, e ao contrário do que sucedia no passado permanecer na condição de funcionário público não oferece quaisquer vantagens. Ficar no Estado para quê? Sem quaisquer garantias a médio prazo, sujeitos a perdas sistemáticas de rendimentos e uma progressiva desqualificação social?

Já hoje são visíveis os efeitos das políticas que têm sido seguidas, basta comparar as qualificações académicas dos que ingressaram há 20 anos com as dos poucos que têm ingressado nos últimos anos. E a situação tende a agravar-se. Aliás, se olharmos para a qualidade dos políticos percebemos esta mudança, uma parte da militância dos partidos é composta por funcionários públicos e a perda de qualidade dos nossos políticos ou o não aparecimento de uma nova geração reflecte o que se vai passando no Estado.

Os governos não têm tido o cuidado de acautelar c competência do Estado e isso vai ter o seu preço quando uma geração que por carolice dedicou a sua vida profissional à AP se aposentar. Se a intenção dos nossos políticos é destruir o Estado, estão a consegui-lo com uma eficácia superior à que imaginam.
Talvez comece a ser tempo de os quadros superiores da Administração Pública começarem a denunciar a incompetência, irresponsabilidade, oportunismo e corrupção com que alguns dos nossos políticos têm tratado a Administração Pública!