sexta-feira, fevereiro 09, 2007

A última guerra santa



Num país onde tanto se barafusta contra os partidos e se defende maior cidadania é curioso como um acto eleitoral em que a palavra é dada aos cidadãos nos faz saudades das eleições partidárias. Temos assistido a uma campanha de desinformação, uma verdadeira guerra civil de palavras. Aliás, esta campanha está para uma guerra civil como umas eleições partidárias estão para uma guerra convencional, é uma luta sem regras, limites, princípios ou respeito pelo adversário.

Foram mais frequentes as tentativas de lançar a dúvida do que as de esclarecer, de aumentar a abstenção do que o número de eleitores, de provar que o adversário não tem razão do que convencer que as nossas ideias são as certas.

Um dos aspectos mais curiosos desta campanha está no facto de que a esmagadora maioria dos que nela participam não serem o alvo da lei que uns querem banir e outros manter. Desde logo os homens não abortam, os eclesiásticos são castos, os católicos mais fervorosos limitam as relações sexuais à procriação e em caso de aborto temem mais a excomunhão do que a vergonha social de um crime mesmo que sem pena. Os "beligerantes" não estão a defender o seu próprio interesse, não estão preocupados pessoalmente com a manutenção ou a revogação da lei, estão a bater-se pela criminalização ou descriminalização das mulheres, muitas das quais estão em silêncio, mais do que uma luta entre dois modelos de sociedade é uma batalha por convições.

Há quem seja a favor da despenalização e os que são contra, mas mais do que a defesa dessas duas opiniões legítimas estamos a assistir a uma guerra santa, está em causa um dos poucos bastiões anti-aborto que a Igreja Católica tem conseguido manter na Europa. A Igreja não pode perder mais esta batalha, cada vez mais a Europa não aceita os valores éticos e morais que a Igreja consideram a sua matriz civilizacional, isto é, cada vez mais a Igreja Católica tem a sua sede longe dos seus rebanhos mais obedientes.

Mais do que o aborto o que se discute neste referendo é se na próxima semana o nosso clero continua orgulhoso por o seu castelo ter resistido ou se terá que se apresentar na Santa Sé envergonhado por ter perdido tão importante bastião.