sábado, fevereiro 03, 2007

O “vale tudo” na campanha do não


Pessoalmente considero legítimos alguns argumentos do “não” mas reservo essa concordância para o meu comportamento individual, não os considero suficientes para que servirem de motivo para a condenação de terceiros.

Talvez por causa das sondagens os partidários do “não” perderam as estribeiras e muitos deles perderam as estribeiras recorrendo a tudo para conseguir uma vitória eleitoral. Como os fins justificam os meios são muitos os “católicos” que já venderam a alma ao Diabo e políticos sem escrúpulos que se esqueceram do que votaram ontem.

Que dizer de Marques Mendes que negociou e aprovou as perguntas do referendo e agora tenta promover a abstenção pondo em causa a pergunta? E nem vale a pena falar sobre Marcelo Rebelo de Sousa, que com António Guterres são responsáveis pelo nó cego em que o país está metido nesta questão, que foi quem exigiu a solução do referendo, co-responsabilizou-se pela pergunta e agora diz que vota não porque acha que não deveria haver qualquer pena para o aborto mesmo realizado até aos nove meses.

A Igreja, que excomunga automaticamente a mulher que aborta mas não adopta igual pena automática para, por exemplo, um assassino em série de crianças?

«O aborto directo, querido como fim ou como meio, e também a cooperação nele, crime que leva consigo a pena de excomunhão, porque o ser humano, desde a sua concepção, deve ser, em modo absoluto, respeitado e protegido totalmente;» [Compêndio do Catecismo da Igreja Católica Link]

É a mesma Igreja que em pleno século XI ainda não sabe para onde vão as almas das crianças que morrem antes de serem baptizadas, e em relação aos fetos nem coloca essa questão.

Os mesmos que defendem a excomunhão dizem agora que as mulheres que abortam não devem ser condenadas e merecem compaixão, durante a campanha estão a mandar o referido catecismo à urtigas pois sabem que estão mentindo, a doutrina da Igreja é clara quanto à aplicação das penas:

«A pena, infligida por uma legítima autoridade pública, tem como objectivo compensar a desordem introduzida pela culpa, preservar a ordem pública e a segurança das pessoas, e contribuir para a emenda dos culpados.»

Os partidários do “não” são agora os mais firmes defensores da despenalização, até aceitariam a despenalização se o modelo adoptado fosse o da Alemanha, borrifam-se no direito à vida desde que o aborto seja feito às escondidas, têm compaixão pelos que querem que continuem a ser tratados por criminosos. Estou convencido que há muita gente sincera do lado do não, ainda que no referendo anterior tenham escondido as suas opiniões em favor do “não” puro e duro, mas a verdade é que neste referendo a regra é a hipocrisia e a falta de honestidade.

Se no início do debate a opção era votar no sim ou no não de acordo com as convicções de cada um, agora é votar no sim ou o não defendido por algumas pessoas sem escrúpulos. Alguém acredita que Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e outros vão agora propor ou fazer o que não fizeram em nove anos? Ou que a Igreja Católica vá prescindir da sua doutrina e regras, que esqueceu durante esta campanha? Mesmo que fosse partidário do “não” teria muitas dúvidas em votar “não”, não confiaria em gente para quem os fins justificam os meios.

Se o não vencer o que conta é o que está na lei, e o que está na lei é uma pena de prisão até 3 anos.