sábado, abril 14, 2007

Blogues, rumor, boato,…


Foi com este desabafo maldoso que Sócrates se armou em vítima justificando o que por aí se diz sobre a sua licenciatura pouco brilhante e com tantos erros administrativos que deu para alimentar as páginas de jornais durante três semanas. A fórmula a que Sócrates recorreu para atribuir a culpa aos blogues lembra-me um cartaz dos últimos tempos do anterior regime onde se recorria igualmente a uma sequência aparentemente lógica: “droga, loucura, morte”. Agora é "blogues, rumor, boato".

Só que aquilo a que assisti foi ao primeiro-ministro defender-se das “insinuações” dos jornalistas publicadas em jornais ou divulgadas por estações de televisão, recorreu a documentos para contraditar as “insinuações” baseadas noutros documentos publicados em jornais. Só que na hora de indicar o culpado Sócrates evitou acusar a imprensa já que isso ser-lhe-ia prejudicial, optou por recorrer ao aparentemente mais fácil , desancou nos blogues.

Ou Sócrates é ingénuo ou quer-se fazer de tal para melhor se vestir no estatuto de vítima, é tão verdade que os rumores circularam nos blogues muito antes de serem aproveitados nos jornais, como também é verdade que o seu nome foi defendido em muitos blogues muito antes de ele ter tido a coragem ou de ter sido forçado defender-se. Foi um erro grave de Sócrates cujas consequências vai poder avaliar no futuro pois o somatório dos leitores de blogues já tem um peso considerável na opinião pública. A verdade é que se a culpa foi dos blogues então Sócrates não percebeu ainda que foi o primeiro governante do mundo que ficou em apuros devido aos blogues, da mesma forma que já tinha sido eleito com a ajuda deles. Será melhor que Sócrates e os seus assessores aprendam a conviver melhor com esta realidade.

Ao contrário do que sucede com os jornais, os blogues reflectem o que os seus autores pensam ou sentem em cada momento, o que se escreve em muitos blogues não é mais do que qualquer cidadão comum comenta com a vizinha ou com o amigo na mesa do café. Ofendem o primeiro-ministro? Quantos portugueses, incluindo os deputados do PS, já não terão chamado, sacana, filho da mãe ou qualquer outro adjectivo menos recomendável ao primeiro-ministro?

É evidente que uma opinião transmitida na mesa do café não tem o mesmo impacto do que se for escrita num blogue, ainda que este seja lido apenas por umas dezenas de militantes. Esta atomização da opinião torna ineficazes os tradicionais assessores de imprensa, agora os cidadãos não se limitam a consumir informação, são eles que, mal ou bem, produzem informação.

Quer se queira, quer não o mundo mudou, da mesma forma que mudou quando Abril pôs fim à ditadura e as forças policiais deixaram de poder proibir ajuntamentos de mais de quatro pessoas. Agora as pessoas podem juntar-se no número que entenderem e até podem escrever a dezenas de pessoas mandando-lhes mensagens de mail ou sms, escrevendo em blogues ou intervindo em fóruns, é uma chatice para o poder mas é assim, quanto mais democracia houver mais difícil é a vida para os políticos, até para os que chegaram ao poder já depois da existência de blogues e ajudados por esses malditos blogues.

Não se pode ter sol na eira e água no nabal, o mesmo Sócrates que foi levado ao colo até São Bento não se pode queixar agora de que os cidadãos pensam demais e ainda têm o desplante de dizer o que pensam e o que sentem nos blogues.