segunda-feira, fevereiro 25, 2008

O país real


Volta e meia os políticos portugueses lembram-se de que existe um país real, em regra são os partidos da oposição que se lembram dele para responder a supostos progressos económicos reivindicados pelos governos. Ainda recentemente assistimos a este fenómeno com o PSD a montar encenações para levarem as televisões a filmar o mítico país real, como não podia deixar de ser no PSD dod dias de hoje tinham que haver dois países reais, o de Luís Filipe Menezes e o de Pedro Santana Lopes. Para Santana Lopes, influenciado pelo ruralismo que caracteriza a nossa direita mais empedernida, o país real é uma aldeia abandonada apesar de ter ar puro e uma excelente paisagem, para Luís Filipe Menezes, que chegou à direita por ruelas suburbanas, o país real é a zona J de Chelas.

Se os nossos políticos tivessem nascido em castelos da Escócia e descendessem de famílias com lugares assegurados na Câmara dos Lordes ainda percebia a razão porque escolhem estas “reservas” e os seus nativos para mostrarem um país que acham que os portugueses e o governo não conhecem.

Se Santana e Menezes têm tempo para a realidade que fica para além dos muros de São Bento e escolhem exemplos extremos para falarem do suposto país real, muito pior será a situação de José Sócrates que tem entre ele e o outro lado dos muros palacianos um exército de adjuntos, assessores, boys e Chiuauas a assegurarem-lhe que do outro lado estão todos bem, anafados e felizes, que os salários mínimos permitem milagres nutricionais, que os jovens licenciados desempregados estão mais procupados com os namores do que com empregos, que os subsídios de desemprego são motivo para perder a vontade de procurar emprego e que os sinais de retoma resistiram à últim borrasca que atingiu a capital e arredores.

Qualquer primeiro-ministro quer pensar que governa muito bem e que tudo está a correr pelo melhor, tudo o que de mau se diga ou é discurso de velhos do Restelo, conversa de profetas da desgraça ou pequenos pormenores estatísticos que serão superados no próximo trimestre, nunca um primeiro-ministro assumiu que governou mal. Nenhum ministro lhe vai dizer que fez asneira, se algo correu mal foi sempre culpa de terceiros. Os assessores e adjuntos são especialistas em adivinhar o que o primeiro-ministro quer ouvir, nunca ousarão indispô-lo, até porque já sabem que quem diz que alguma coisa está mal é profeta da desgraça.

Os primeiro-ministros estão isolados da realidade, só usam o cartão de crédito quando vão de férias, no caso de Durão Barroso nem isso isso sucedia pois há sempre um amigo que o leva de férias. Que me recorde só o falecido Salgado Zenha teve um encontro de terceiro grau com a realidade, quando era ministro das Finanças foi à compras com a esposa e admitiu que só assim percebeu que a vida estava cara.

Não é fácil a um primeiro-ministro perceber que as famílias que ganham o salário mínimo ou pouco mais passam fome e que sofrem com os aumentos de preços e dos impostos, ou para se saber que são os pobres e a classe média baixa que estão a suportar os custos do enriquecimento acelerados mais ricos, de quem Sócrates espera mais investimento, nunca passaram por "elas". Mas no caso de José Sócrates até é de esperar que assim não seja, o seu portfólio arquitectónico é quase uma garantia de que conhece o país onde cada um se desenrasca como pode e sabe.

O país real não é a aldeia abandona nem a zona J de Chelas, mas também não são os 80% o PIB que costumam viajar nas comitivas de José Sócrates. O país real são os médicos que não sabem onde vão trabalhar no próximo mês, os desempregados que desanimam a ir ao serviço de emprego, os professores que investiram uma vida e não sabem se serão colocados no próximo ano lectivo, os licenciados que trabalha como repositores do super ou são forçados a emigrar, os funcionários públicos ameaçados com a disponibilidade. Um boa parte destes não acreditam em Baracks lusos, estão prestes a desistir e começam a perceber que mesmo que a economia melhore continuarão excluídos dos benefícios daí resultantes, continuarão a pagar taxas elevadas de Iva, a ter carreiras congeladas, a ver os rendimentos reais a serem reduzidos, pagam as crises e serão esquecidos quando a economia recuperar.

O maior erro que Sócrates poderá cometer é confundir o país dos filmes eleitorais com a realidade ou acreditar que são os bajoladores que o rodeiam que lhe dão a imagem real desse país. Esses bajoladores são ainda mais mentirosos do que os profetas da desgraça a que Sócrates se referiu, até são pagos para com a mentira darem conforto e felicidade ao primeiro-ministro.