segunda-feira, março 24, 2008

A revolta municipal


Ao longo de décadas pouco mudou no ordenamento do território, o modelo municipalista manteve-se sem alterações e mesmo quando se fala em regionalização não se questiona o actual modelo. Os actuais municípios são os mesmos de há décadas, com o mesmo modelo de organização, apenas foram acrescidas as competências, adoptado o modelo democrático de eleição dos autarcas e consignados maiores recursos financeiros à sua gestão. A imagem da vila de província é a mesma de sempre, a Câmara Municipal, o pequeno hospital, o serviço de finanças e o tribunal.

Os autarcas tornaram-se em especialistas na conquista do voto local, a maior parte dois quais de idosos, não aceitando quaisquer alterações no modelo municipal, apenas exigem mais competências simpáticas e recursos. Qualquer reforma que não vá de encontro às suas ambições enfrentam a oposição deste senhores das autarquias, toda e qualquer reforma que colida com o actual ordenamento do território tem a oposição dos autarcas, que actuam como uma força em bloco, independentemente do partido a que pertencem, acima das solidariedades partidárias ou mesmo do interesse nacional está a sua sobrevivência.

Não admira que mais do que a actual luta política não seja entre o partido do governo e os partidos da oposição, mas sim entre o governo e o poder dos municípios. Os autarcas já não se limitam a lutar pelo entendem ser o interesse dos seus municípios, envolvem-se em lutas laborais (com a CM Municipal do PCP a apoiar uma luta laboral no concelho de Sines), apoiam a organização de manifestações da CGTP com autarquias do PSD a emprestarem autocarros para transportar manifestantes e desencadeiam as suas próprias batalhas políticas como vimos no caso das maternidades.

Os próprios partidos da oposição recorrem à força das autarquias para conseguirem fazer a oposição que as suas propostas alternativas e os seus líderes nacionais não conseguem fazer, o PSD cada vez mais reduzido a partido de dimensão autárquica tem sobrevivido graças a esta estratégia, chegando ao ponto de imitar o PCP e promover a realização de manifestações espontâneas onde prontamente aparecem os seus autarcas a representar o povo.

Entre a aposta no desenvolvimento económico e a gestão dos recursos para conquistar votos, entre apostar na criação de actividades económicos ou apoiar “velhinos” a maioria dos nossos autarcas não hesitam em optar pelo que lhes dá votos, uns levam velhinhos a passear de avião, outros levam a passear a Fátima ou a lanchar no Parque das Nações, outros descobriram as consultas de oftalmologia e Cuba e não falta muito para que descubram as cirurgias às hérnias discais na Tailândia ou na Índia.

O desenvolvimento tecnológico, a modernização da rede viária e a modernização nas telecomunicações tornaram obsoleto a actual organização do território, que pode dar a ilusão de estar perto das populações mas cria fronteiras artificiais que impedem o desenvolvimento económico e a optimização dos recursos.

Mais tarde ou mais cedo e antes de qualquer processo de regionalização e de descentralização terão que ser questionadas as actuais fronteiras, competências e modelos de gestão municipais, ainda que seja certo que isso dê lugar a muitos Litérios ou Marias da Fonte. Nem o PSD ou o PS conseguirão resistir à força dos seus principados, nem o PCP aceitará que se mexa nos seus territórios libertados, tratados como sovietes cujos dirigentes são escolhidos na Soeiro Pereira Gomes.