sexta-feira, junho 27, 2008

Arraial luso


No Reino Unido as sondagens dão ao partido conservador uma vantagem de vinte pontos sobre o partido conservador e Gordon Brown governa tranquilamente, sem que nenhum partido ou “organização representativa” questione a sua legitimidade, a rainha até promulgou o Tratado sem grande sarrabulho. Em Espanha Zapatero governa tranquilamente apesar de não contar com a maioria parlamentar, as Cortes ainda chumbaram o seu primeiro governo mas a direita, apesar da grande influência franquista, aceita que a legislatura tem quatro anos.

Todos os países da Europa governam usando a sua legitimidade para adoptar as medidas e reformas necessárias a superar as dificuldades colocadas por um ambiente económico internacional adverso?

Todos? Não, no extremo sudoeste da Europa há um país em permanente arraial, onde os governos nunca são legítimos, se contam com maioria relativa são substituídos logo que as sondagens apresentem novos resultados, se contam com a maioria absoluta cada polícia é um agente da PIDE em potência.

À esquerda há quem tenha saudades do PREC quando a vontade popular era medida na Praça do Comércio. À direita, onde muito se preza a estabilidade governativa, os valores começam a ser os mesmos, os governos só servem para governar se forem governos de direita.

O parlamento não conta, o que conta são as sondagens, as manifestações ou as opiniões dos titulares de órgãos de soberania não sujeitos a sufrágio. Os governos só são legítimos se contarem com as sondagens e mesmo assim só poderão governar um par de meses, uns tempos depois da posse e muito antes do fim da legislatura. Não podem adoptar medidas difíceis porque vão contra a vontade dos manifestantes, nem podem adoptar medidas simpáticas porque a partir do meio da legislatura já são medidas eleitoralistas.

O ambiente de PREC é apreciado por quem menos se esperava, Ferreira Leite acha que o governo não tem legitimidade para decidir obras públicas, pior do que isso, entende que as políticas de desenvolvimento devem estar condicionadas à bagunça dirigente do PSD, quem em três anos vai no quarto líder, com cada um deles a apresentar propostas distintas em relação aos dossiers mais importantes da governação, desde a saúde às obras públicas, ou do ensino à modernização do Estado.

Para as contas públicas o PSD já propôs de tudo, começou com um choque fiscal e acabou a aumentar o IVA, prometeu arrumar as contas públicas e acabou a aldrabá-las, prometeu eficácia fiscal e teve que vender património e dívidas para que mesmo aldrabado o défice não fosse escandaloso. Cada um dos últimos líderes propôs políticas fiscais antagónicas.

É evidente que todos gostamos mais desta democracia, o mais interessante seria mesmo limitar a legislatura a um ano ou seis meses, assim poderíamos mudar de governo sempre que este fosse antipático. O PCP agradeceria pois poderia medir forças com o Bloco de Esquerda quase todos os dias. O PSD também ficaria grato pois a democracia ficaria sincronizada com o ritmo a que muda de líder.

Mas não tenhamos dúvidas, com esta democracia a viver em bebedeira permanente vamos ter que pagar uma factura muito elevada, enquanto nos divertimos vamos deixar aos próximos um país tão subdesenvolvido como o encontrámos. É esse o preço que teremos de pagar por andarmos a alimentar os sonhos ideológicos de uns e a sede de poder de outros. Vamos pagar a brincadeira, diria mesmo que a pagaremos com língua de palmo.

Não são só as empresas que concorrem, os países também o fazem, basta ouvir os sucessivos lamentos de que estamos a divergir da Europa para o perceber. Se o país opta por ser gerido em ambiente de arraial dos Santos Populares é muito pouco provável que saia da cepa torta. Alguns ficarão contentes, uns porque esperam que a crise seja o ambiente mais favorável às suas revoluções, outros porque são o ambiente mais favorável ao enriquecimento fácil.