terça-feira, junho 17, 2008

Uma Europa de aldeias?


Antes de mais, devo dizer que não sou propriamente um apaixonado do Tratado, apenas acho que a Europa deve criar condições para ser isso mesmo, uma Europa e não um somatório de aldeias que durante séculos se digladiaram em guerras sucessivas. Lamento que o processo tenha sido interrompido pela Irlanda, mas se estas são as regras do jogo só tenho que as aceitar. Devo também acrescentar que sou e sempre fui contra o referendo, por entender que nestes ganha o voto mais militantes, como já sucedeu por duas vezes em Portugal.

Por isso sou pelo Tratado, prefiro uma Europa forte do que uma Europa fragmentada, uma Europa governável a uma Europa incapaz de o ser na globalidade. Além disso, não sinto a menor identidade com uma boa parte dos mais activos do não, com os obscurantistas católicos da Irlanda, com os neo-nazis, com os vaidosos que são pelo não porque ficaram de fora ou com os saudosos dos muros.

Mas gostaria de saber o que diriam os defensores da liberalização da interrupção voluntária da gravidez se a lei não tivesse sido alterada porque um pequeno distrito tivesse dito que não. Se faz sentido que o Tratado seja bloqueado porque a Irlanda disse não, também faria sentido que a lei da IVG fosse chumbada porque no distrito da Guarda votaram 33.813 pelo não, contra os que votaram 29.677 que votaram pelo sim. O que diriam se a lei não tivesse sido alterada pelo não de 3.136 cidadãos.

A propósito do debate em torno da IVG também valerá a pena recordar que muitos dos que agora se preocupam com a proximidade entre os políticos e os cidadãos foram os que criticaram a realização do referendo, considerando-o desnecessário porque uma maioria esmagadora de deputados era contra a manutenção da lei. Alguns dos que eram pela votação parlamentar e se afirma europeístas convictos, alô que fica bem a qualquer cidadão, chegam agora a ser ternurentos, concluindo que os irlandeses fizeram um favor ao futuro da Europa.

Não deixa de ser curiosa esta democracia à melhor das duas, se temos maioria parlamentar devem ser os deputados a decidir, se não a temos ai Jesus que a forma superior da democracia é a participativa. E chegamos a uma situação curiosa, alguma esquerda portuguesa exulta de alegria porque os fascistas franceses foram determinantes no não francês e os católicos fundamentalistas decidiram o referendo francês. Podem dar-se muitas voltas aos argumentos, mas é esta a realidade. Será que se um dia estiver em causa uma legislação laboral europeia e contarem com uma maioria parlamentar vão defender o referendo, arriscando-se a que uma Polónia dirigida pelos manos de direita vote não?

É evidente que mesmo que questionemos o referendo, teremos que concluir que a Europa não funcionará, só pró mero acaso qualquer medida passaria com o sim de 27 referendos. Agora ganharam uns e perderam outros, mas com este modelo de democracia à escala europeia só os que são contra a Europa, os que têm saudades de muros e guerras ficam felizes com esta situação. Por mim é mais perigoso um Tratado com deficiências do que uma Europa que é incapaz de o ser.

Concordo com os que criticam este sistema político gerado por burocratas de Bruxelas, governado com decisões adoptadas em Conselhos onde se troca liberdade por quotas de peixe. Mas será que os que criticam esse sistema tomam posição quando são escolhidos os candidatos a deputados europeus, quando os nossos partidos propõem os lesionados e pré-reformados da nossa democracia.

Para haver mais democracia teria que haver muito mais parlamento europeu e os referendos aos tratados deveriam ser votados à escala europeia, para que um país não bloqueie o futuro de todos os outros só porque o seu eleitorado está irritado com o preço do bacalhau ou com medo da traineira dos abortos. Só que muitos dos que criticam o modelo político da Europa também não querem a Europa ou, pior ainda, só querem a Europa dos fundos comunitários.