sexta-feira, setembro 05, 2008

A próxima geração que pague a factura


Imagine que se empenhava tanto que deixava aos seus filhos uma dívida para durar toda uma vida. Como se isso não bastasse ainda decidia aumentar o seu ordenado e pensões durante duas décadas por conta dos ordenados futuros dos seus filhos. Para finalizar, imagine ainda que proporcionava aos seus filhos, os mesmos que irão pagar uma parte dos seus rendimentos actuais, uma formação deficiente e poucas possibilidades de encontrarem um emprego estável e menos remunerado.

Eu sei que não é boa prática confundir um país com uma família, mas não resisto à comparação, aquilo que proponho que cada um imagine para a sua família é o que enquanto povo estamos a fazer. As últimas duas ou três gerações “governaram-se”, foram cobardes suportando uma ditadura durante décadas, usaram o poder em benefício próprio e preparam-se para deixar às futuras gerações um país endividado, subdesenvolvido e onde é difícil viver.

É evidente que a culpa não é “minha”, e como todos pensam neste momento como eu, podemos dizer que a culpa não é “nossa”. Em Portugal há sempre culpados de serviço, foram os ditadores que se impuseram e não temos culpa porque nada pudemos fazer, além de ser cobardes; a culpa é dos políticos escolhidos por nós, mas não somos culpados porque esses políticos nos enganaram, mesmo os que elegemos por mais de uma vez.

Talvez seja uma herança de uma ditadura paternalista que nos governou, os portugueses têm uma postura diferente enquanto indivíduos e enquanto povo. Individualmente contamos o tostão, mas colectivamente achamos que não temos de suportar os custos do que conseguimos “sacar” ao colectivo, comportamo-nos com o povo que foi ao magusto promovido pela CML no ano passado, é “um ver se te avias”, cada um enche os bolsos como pode. No fim nenhum é individualmente responsável pela responsabilidade colectiva, somos todos vítimas de culpados abstractos.

Preocupamo-nos muito com os nossos filhos, se for necessário até tentamos sacar mais algum por fora para favorecê-los, mas esquecemos que a factura invisível que lhes deixamos é bem maior do que o que vão herdar. A ilusão de um Estado paternalista que acorre a todas as necessidades, que suporta todos os direitos que entendemos dever ter não é compatível com a realidade de hoje, era possível no tempo em que a emissão de moeda dava a ilusão de fartura pois a inflação acabava no distribuir os custos de cada asneira pelo colectivo.

Esta postura oportunista tem tido um custo caro, no passado a inflação acabava por dar lugar à perda de competitividade que acabava por ser compensada por desvalorizações da moeda, tornando-nos colectivamente mais pobres. Hoje traduz-se em despesa pública que em parte vai aumentar a dívida do Estado e a restante é suportada pelos impostos que acabam por asfixiar o crescimento económico; por sua vez, o aumento artificial de riqueza e as assimetrias na sua distribuição acabam por gerar procura de bens importados, de que resulta a dívida externa.

Somos enquanto povo aquilo que não consideramos aceitável enquanto famílias o que se explica por uma postura oportunista, julgamos que enquanto povo a factura é paga pelo vizinho, mas como todos fazemos o mesmo (e usamos o voto como instrumento de chantagem para continuar a fazê-lo) estamos a passar a factura para as próximas gerações.