sábado, abril 11, 2009

Qual crise?

Apesar do preço dos combustíveis e de o tempo nem prometer praia assistimos a mais uma debandada pascal, uns foram juntar-se à família para mais uma celebração religiosa, outros menos crentes na ressurreição de Cristo foram para as praias na esperança de o deus Sol reaparecer. Os hipers estão quase vazios mas ainda assim nota-se fartura nas montras e consumidores mais ou menos ávidos pelas iguarias da época.

Se fosse maldoso aproveitaria para concluir de forma empírica que não há qualquer crise, os indicadores do dia-a-dia que não passam pelo crivo do INE até apontam para alguma fartura. Aliás, não é nada que o primeiro-ministro não tivesse anunciado em pleno naufrágio da economia mundial, o efeito combinado da descida das cotações do crude, da diminuição da inflação e dos aumentos dos vencimentos dos funcionários públicos criaria um efeito de ilusão.

Só que esta ilusão não só é falsa como esconde uma realidade que se tem vindo a agravar, é nas grandes cidades que se concentra a maior parte da riqueza do país e onde vivem os grupos profissionais melhor remunerados. Esta concentração de riqueza nas grandes cidades, principalmente em Lisboa e no Porto, tem vindo a crescer e se as debandadas são um falso indicador de riqueza colectiva já são um sinal óbvio da concentração dessa riqueza.

Mas isso não significa que todos os que vivem em Lisboa ou no Porto sejam ricos, há centenas de milhares de cidadãos que não participam nas debandadas, que não contribuem para as filas de trânsito e vão menos vezes a um hipermercado do que os aldeões do distrito de Viseu vão ver o mar.

A crise de que se tanto se fala passa ao lado das grandes cidades, não é em Lisboa nem no Porto que fecham fábricas, fenómenos relatados nos jornais como o aumento de pedidos de apoio a instituições de solidariedade por parte da classe média tem mais que vez com o seu comportamento passado do que com a crise financeira internacional, esqueceram-se de que a fartura não duraria sempre e empenharam-se até mais não em consequência de uma paranóia consumista.

Mas o dualismo económico da nossa sociedade e as assimetrias na distribuição de rendimento levam a que não fosse necessária qualquer crise mais grave para que muitos portugueses vivam abaixo ou perto do limiar da pobreza. É uma miséria silenciosa, sem direito ao gesticular da boca da nossa Manuela Moura Guedes ou de outros jornalistas dados ao espalhafato. A sua miséria não resulta do encerramento de nenhuma empresa, do aumento do preço do crude ou de qualquer política orçamental mais restritiva, é uma miséria silenciosa, escondida e envergonhada
Lisboa está vazia, ficaram os que aproveitam para fruir a cidade sem a habitual agitação e os muitos que mesmo nos dias agitados vivem quase em silêncio.