sexta-feira, junho 26, 2009

A transparência segundo Cavaco Silva

A PT decidiu equacionar a hipótese de comprar a Media Capital e Manuela Ferreira Leite não perdeu tempo, insinuou a o envolvimento de Sócrates com o objectivo de se livrar da família Moniz que, como se sabe, tem sido o “abono de família” da líder do PSD. Compreende-se que os partidos da oposições levantem questões e nos últimos tempos deixaram de respeitar as empresas privadas, Jerónimo de Sousa meteu-se na Autoeuropa fazendo perigar o seu futuro e Manuela Ferreira Leite atacou a PT e a Media Capital. Num país onde deixou de haver princípios a direita aproveita-se do jornalismo rasca, a esquerda conservadora faz tudo para agravar a situação económica do país, os votos tudo justificam.

O Presidente da República poderia ter ficado de fora, fazendo de conta que respeita a sua promessa de cooperação estratégica, mas o petisco era tão apetitoso que não resistiu à tentação, mal os outros partidos alinharam com Ferreira Leite sentiu-se em condições para evitar a crítica do alinhamento com a líder do seu partido. Mas Cavaco não se limitou a pedir explicações, usou a necessidade de transparência nos negócios de que se tanto fala desde que deflagrou a crise financeira.

Ora, Cavaco nem é presidente da assembleia de accionistas da PT nem do regulador da concorrência e, como é óbvio, a referência a transparência pode ser interpretada e é entendida por muitos portugueses como uma insinuação em relação ao primeiro-ministro, uma insinuação de que o governo mandou a PT comprar a Media Capital para se livrar da família Moniz. O que Cavaco fez foi dar força institucional a uma insinuação de Manuela ferreira Leite, diria que a líder do PSD espirrou e Cavaco constipou-se.

Isto é grave, um Presidente da República que em vez de pedir explicações ao primeiro-ministro vem a público quebrar todos os laços de solidariedade institucional e lança insinuações sobre a gestão interna de uma empresa privada sabendo que essa insinuação vai ser interpretada como uma insinuação sobre a actuação do primeiro-ministro, é um Presidente da República que intervém no processo político não hesitando em provocar uma crise política num momento de grandes dificuldades para o país. É a irresponsabilidade levada ao mais alto nível.

Mas já que Cavaco Silva fala de transparência nos negócios é bom recordar que o seu negócio de acções da SLN é um péssimo exemplo de transparência nos negócios privados de um político, o argumento de que não estava no activo não pega, o célebre artigo em que designou Santana Lopes por “má moeda” é a prova de envolvimento activo na política. É também um péssimo exemplo de transparência nos negócios de um banco, Cavaco ganhou muito dinheiro ao confiar as suas poupanças a um banco gerido pelos seus antigos subordinados, poupanças que serviram para comprar e vender acções da empresa dona desse banco, acções que não estavam cotadas pela bolsa e cujo valor foi arbitrariamente fixadas por um burlão que está preso e sobre o qual recaem suspeitas de fraude de valor superior a mil milhões. Mas nesta república das bananas parece ter-se abandonado o mais elementar princípio republicano, o de que todos os cidadãos são igual perante a lei, tratamos o Presidente da República como se fosse um Rei-Sol.

Se tivesse sido Sócrates a fazer este negócio ficaria sob suspeita, seriam analisados os negócios com acções de todos os seus familiares, até ao quinto grau de parentesco. Mas como foi Cavaco Silva e a filha a fazerem um negócio de lucro fácil e altamente lucrativo (que bom seria se todos os portugueses tivessem podido duplicar as suas poupanças num ano) não mereceu grandes críticas, bastou a Presidente fazer um “choradinho” público para o assunto ficar encerrado. Nos Estados Unidos um presidente pode ser posto em causa, mas nesta democracia de pacotilha o Presidente está acima de tudo, não pode ser questionado, como se a democracia dependesse do seu bem-estar. Em qualquer país com uma democracia a sério em vez de estar a falar da transparência nos negócios da PT, Cavaco Silva estaria a enfrentar um processo de demissão compulsiva na sequência do seu negócio estranho e altamente lucrativo com acções da SLN.

Para Cavaco Silva transparência é afirmar publicamente a inocência de Dias Loureiro, um dos ex-homens fortes do BP e, usando a mesma via, lançar insinuações sobre a PT e, pelo menos de forma indirecta , lançar insinuações sobre actuação do primeiro-ministro. Para Cavaco Silva a amizade pessoal parece ser mais importante para o país do que a lealdade institucional.