quinta-feira, outubro 29, 2009

Por favor, não deitem lixo aqui

Confesso que a notícia de que o Armando Vara foi constituído arguido gera em mim sentimentos contraditórios, uma mistura estranha de sensações, apetece-me vingar de alguém que não conheço mas cujo sucesso na vida merece ser condenado, desconfio da justiça portuguesa e apetece-me rir pela quantia em causa.

Esta coisa de ser constituído arguido é pouco, em Portugal todos os cidadãos, excepto os magistrados, são tratados como criminosos até prova em contrário, até acho que, tal como sucede com a inscrição de crianças nalguns colégios da capital, ainda antes de uma criança nascer devia ser constituída arguida para poupar futuras burocracias aos nosso magistrados que, coitados, não têm mãos a medir com tanto trabalho. Aliás, devia-se fazer como sucedia quando a minha mãe me dava um tabefe por engano, ficava por conta das vezes em que eu não era apanhado, os portugueses deveriam ser condenados logo à nascença, assim ficavam com créditos e quando o Ministério Público recebesse uma carta anónima descontava desses créditos e nem se daria ao trabalho de investigar.

Quem levava um tabefe bem dado se eu o conhecesse era o Armando Vara, não se admite que ande a emporcalhar o país por uma quantia miserável de dez mil euros, mais valia não ter feito nada, depois telefonava ao Pinto Monteiro a pedir vinte mil por conta do seu comportamento exemplar. Todos ficávamos a ganhar, o Armando Vara ficava com os vinte mil, o Pinto Monteiro poupava esta seca de mobilizar metade das forças policiais e ganhava o país pois o passatempo policial vai custar aos contribuintes muito mais de vinte mil euros.

Aliás, o Vara devia ir já preso e mais tarde logo se via se o havíamos de condenar, a sua conduta envergonha o país e coloca-o mais uma vez na cauda da Europa. Num país a sério é o filho do presidente que se mete em negócios de milhões, ainda esta semana vimos o filho de Miterrand ser condenado por ter andado metido num negócio de milhões em armas. Por cá é esta miséria, embrulharam o Sócrates no lixo dos pneus de Alcochete e o melhor que arranjaram foi um primo dado às artes marciais que pediu trabalho e levou uma nega, no Apito Dourado apanharam-se uns árbitros que apitava a troco de chiar com putas e agora dizem-me que o Vara poderá ter ganho dez mil à conta do sucata.

Como é que podemos sair da cepa torta se os outros ganham milhões devidamente acondicionados em malas da Luis Vuitton e as nossas elites se ficam por umas centenas de euros embrulhados em sacos do Pingo Doce ou, na melhor das hipóteses, acondicionados em malas compradas nas lojas da Praça de Espanha? Temos claramente um grave défice de imaginação e ambição, o que explica a falta de competitividade endémica de que sofre a nossa economia, os outros ganham milhões em produtos de alta tecnologia como armas sofisticadas enquanto os nossos ganham trocos à conta de lixo e sucata, francamente!

Lembram-se do Giscard d’Estaing? Era presidente da França e diz-se que foi apanhado a receber diamantes de um ditador africano, nunca baixou a garimpa e mais tarde ainda escreveu um projecto de constituição europeia. E o que sucedeu por cá? O Cavaco ganhou uns cobres com as acções da SLN com os preços fixados por um qualquer Oliveira e Costa e acabou por vir à televisão a jurar aos portugueses, com voz trémula e quase a chorar, que até tinha perdido dinheiro, o Giscard ficou com os diamantes enquanto o nosso ia ficou sem os anéis e mais um pouco ficava sem dedos. Se o Giscard escreve constituições, não me admiraria que daqui a dois anos o Cavaco esgote as suas grandes capacidades intelectuais a ler o Destak à porta de uma tasca de Poço de Boliqueime.

Acho muito bem que o Ministério Público não preste grande atenção ao caso BPN, o meu orgulho de português não iria resistir se viesse a saber que o ex-ministro de Cavaco tinha recebido quinhentos escudos com a reciclagem do papel destruído no BPN nos dias anteriores à nacionalização, ou que um primo em quarto grau da esposa de Cavaco tinha ganho duzentos escudos por ter vendido uma colecção de selos usados recolhida por Oliveira e Costa na correspondência recebida no banco. Ainda alguém se lembrava de dizer que o buraco na Afinsa também tinha a mão dos assessores do Presidente!

Um dia destes ainda alguém se lembra de se armar em revisionista da obra poética de Fernando Pessoa, até porque com a ascensão eleitoral do PCP os revisionistas estão na moda por estas bandas. Um dia destes vamos ensinar as nossas criança a ler: “Ó mar poluído, quanto do teu mal é sucata de Portugal”.