sexta-feira, novembro 06, 2009

A banalização da Presidência da República

Os resultados da sondagens ontem divulgadas que colocam a imagem de Cavaco a níveis típicos de dirigentes partidários significa que com o actual Presidente ocorreu um fenómeno novo, pela primeira vez a imagem do Presidente da República corresponde à do seu titular e não a que resulta da dignidade alcançada pela instituição Presidente da República. A partir de agora o Cavaco Silva é o Cavaco que todos conhecemos e não o Cavaco Presidente da República que desempenha o cargo com o rigor e independência a que os portugueses se habituaram.

Um Presidente que se deixa enredar em artimanhas de assessores anónimos, que durante meses se deixou substituir por assessores de qualidade e formação duvidosa não merece a confiança que os portugueses se habituaram a depositar na figura do Presidente da República. Cavaco esqueceu-se de que quem os portugueses gostavam era do Cavaco Presidente da República, poderia ser o Silva ou outro qualquer que tivessem elegido, não era o Cavaco despido da dignidade do cargo e a fazer política aconselhado por gente como o seu ex-assessor para a imprensa.

Ao contrário do que sucede com um primeiro-ministro, cuja credibilidade depende dele próprio, o Presidente da República beneficia da dignidade da instituição que os portugueses respeitam como o último reduto da democracia. A partir do momento em que os portugueses tiveram a percepção de que Cavaco poderá ter esquecido o seu papel para assumir um outro no domínio da luta política, perdeu a protecção de que beneficiava e passou a valer por si próprio.

Resta saber se Cavaco tem condições para retomar o cargo nos termos que os portugueses que nele votaram estavam à espera ou se esta banalização é tão irreversível quanto a imagem idiota com que ficou quando decidiu não dar tolerância de ponto na Terça-feira de Carnaval.

Quando era primeiro-ministro Cavaco sempre desejou ser Presidente da República, agora que chegou a ser Presidente ficou evidente que tem saudades do poder do primeiro-ministro e, pior do que isso, parece não ter resistido à tentação de acumular os dois cargos ainda que assumindo o de primeiro-ministro recorrendo a uma terceira pessoa, ainda por cima uma política de credibilidade e competência duvidosa.

Agora Cavaco Silva não só não é primeiro-ministro como tem de aturar aquele que tanto desejou ver pelas costas, e como se isto não bastasse é um Presidente que muitos portugueses deixaram de o ver enquanto tal, mesmo depois de vários discursos e encenações, como as comemorações paralelas montadas no Palácio de Belém.

Quem torto nasce tarde ou nunca se endireita e o Cavaco Silva que vemos hoje é bem mais genuíno do que aquele que andava a passear no roteiro da exclusão, é o Cavaco ambicioso por poder e calculista de sempre. Só que agora não tem os fundos comunitários à sua disposição nem pode inaugurar obras ou aumentar pensões antes das eleições, o mais que pode fazer é discursos lamechas em que muitos já não acreditam.