quarta-feira, janeiro 27, 2010

Vítimas da indiferença


Imaginem que caia um autocarro com mais de trinta pessoas por uma ribanceira abaixo, eram inquéritos atrás de inquéritos, a GNR passava a fiscalizar todos os autocarros que andassem na estrada, Pinto Monteiro mandaria os seus procuradores-gerais adjuntos mais competentes investigar as causa do acidente, a procuradora Maria José Morgado multiplicar-se-ia em entrevistas a exigir meios para o Ministério Público e a propor novas leis, Francisco Louçã pedia a demissão do ministro das Obras Públicas, Cavaco Silva diria aos joprnalistas ansiosos por uma palavra presidencial que estava preocupado, Manuel Alegre recitaria um poema entre dois copos de um jantar da cidadania, Paulo Portas exigiria mais polícias.

Imaginem que durante um ano mais de trinta mulheres fossem assassinadas por um criminoso anónimo, o Presidnete diria mais uma vez que estava preocupado, Pinto Mointeiro designaria a procuradora Maria José Morgado para chefiar a equipa que iria tranquilizar o país, nas esqudras deixariam de jogar à bisca, Francisco Louçã exigiria a cabeça do ministro da Administração Interna, Paulo Porta exigiria mais polícias, Manuela ferreira Leite trancava-se em casa até ao próximo congresso, o país encher-se-ia de medo, haveria uma corrida a portas blindadas e fechaduras sofisticadas.

Acontece que essas trinta e tal mulheres morrem todos os anos e nada disto sucede, as televisões estão mais preocupadas em dizer que um pilha galinhas que tinha sido apanhado em flagrante soube que tinha ganho o Euromilhões quando já estava na esqudra, foi uma semana de 60 milhões mas o jornalista esqueceu-se de dizer que o sortudo ganhou 6 mil euros com o quarto prémio. Entre uma notícia idiota e uma notícia considerada rasca o director de informação preferiu a notícia idiota, está convencido de que num país que ele julga ser de idiotas teria maiores audiências. Os jornais de referência não noticiam ou escondem a notícia no fundo de uma página esquerda, lá mais para o fim do ano, quando os políticos andarem a meter os burrinhos na areia nas praias do sul e faltar matéria-prima noticiosa darão destaque ao tema, entrevistasm um qualquer sociólogo e enchem uma página com lágrimas de crocodilo.

Em Portugal há dezenas de milhares de mulheres (e alguns homens) que sofrem de violência diária, algumas delas há anos seguidos, na maioria dos casos à frente dos filhos. De nada lhes serve apresentar queixa a uma esquadra onde terão como resposta um “tenha paciência”, se não derem com um polícias dos antigos, defensores da velha máxima nacional de “que entre marido e mulher não se mete a colher”. De vez em quando uma é assassinadas, esse de vez em quando é quase semanal.

Mas ninguém se incomoda, não se generaliza o medo, podemos estar descansados porque sabemos que esses torturadores e homicidas só agridem e matam as mulheres (ou irmãs como sucedeu com uma visitante que me enviou um mail a apelar por ajuda). Por mais mulheres que sejam mortas isso não nos incomoda, até porque os tiros ou as facadas são, na maioria dos casos, dados no recato do lar, nem sequer há o risco da bala perdida. Nem faltarão os que pensam que se eles fazem isso só Deus sabe se elas não merecem.

Num passado recente nem os padres fazima melhor do que os polícias, o casamento é sagrado e o sofrimento é a melhor das chaves para abrir as portas do céu. Muitas mulhere que ousaram libertarem-se da violência através do divórcio foram marginalizadas e desprezadas pelos padres, algumas até perderam o direito a um funeral religioso pela ousadia de não aceitarem a sina divina.

Estas mulheres são assassinadas duas vezes, às mãos dos maridos ou namorados homicidas e pela indiferença da população, dos políticos, dos polícias e da justiça, esta última mais empenhada em colocar vídeos no Youtube do que em fazer justiça.