quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Que Europa?

Ultrapassada a actual crise financeira será inevitável discutir a Europa, nessa ocasião os EUA retomarão a expansão económica enquanto terá de lamber as feridas de uma crise que pôs em evidência as suas vulnerabilidades, uma boa parte dos Estados andarão mais uns anos em crise para corrigir as consequências do descalabro do sistema financeiro de que não foram responsáveis.

Ainda por cima, no contexto da União Europeia e da moeda única os Estados estão proibidos de usar os instrumentos que os poderiam ajudar a resolver os seus problemas. Não podem restringir a importação de bens de luxo importados, não podem aplicar taxas a bens de luxo, na sua maioria importados, não podem ajudar as suas empresas em nome da concorrência, não podem restringir a importação em nome da liberdade de comércio. Resta-lhe usar os poucos instrumentos de que dispõem para adoptar medidas de austeridade que são cada vez menos eficazes.

De um ponto de vista económico é ridículo falar de desequilíbrio externo de um estado-membro quando a maior parte das suas importações (que não podem ser objecto de qualquer restrição) são provenientes da União Europeia. Resta a esse país adoptar medidas que promovam as exportações ou a substituição das importações, mas só o pode fazer usando os dinheiros públicos para promover a educação e a investigação. Mas como o desequilíbrio externa acaba por desencadear a crise interna terá de usar os escassos recursos permitidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento para adoptar medidas sociais.

Mesmo que faça grandes investimentos na educação, um dos poucos sectores que não colidem com os bons princípios europeus, o país em dificuldades corre um sério risco de ver os seus cérebros comprados pelos países concorrentes ao preço da uva mijona. Temos, portanto, uma união económica em que os menos ricos estão condenados a empobrecerem em nome do projecto de integração europeia. E terão de se portar bem se quiserem uma ajudita dos mais ricos e ninguém lhes garante que depois de um almoço bem regado um qualquer comissário europeu não solte a língua e diga uns disparates que levem esse mesmo país à ruína.

Se países como Portugal estão impedidos de combater a crise financeira, restando-lhes afundarem-se enquanto esperam pela recuperação das grandes economias europeias algo está mal na União Europeia. Se o processo de integração impede-nos de adoptar medidas que corrijam o défice externo e nos tornam mais vulneráveis à crise financeira internacional isso significa que algo está mal, até porque há sinais de que ao empobrecimento de um corresponde o empobrecimento de outros.

Ou a União Europeia aprofunda os mecanismos de integração, cria instrumentos de solidariedade colectiva e assume que há uma economia europeia e não 27 economias europeias ou terá de admitir a legitimidade dos estados-membros mais vulneráveis adoptarem medidas mais eficazes para combater a crise e recuperar do atraso em relação aos outros. Não é possível combater o desequilíbrio externo ou enfrentar eficazmente os desequilíbrios internos nas condições actuais. A integração europeia está a gerar um duplo movimento do qual resultará um dualismo crescente no seu interior, os benefícios dessa integração são distribuídos pelos mais ricos, os prejuízos pelos mais pobres.