segunda-feira, maio 03, 2010

Crise, aldrabices contabilísticas e amnésia lacunar

É evidente que Portugal enfrenta uma crise económica e que as consequências dessa crise desencadeada pela crise financeira internacional é são ampliados pelos desequilíbrios da economia portuguesa. Daí a confundir a crise portuguesa com a quase bancarrota da economia grega vai uma grande diferença.

É evidente que um ataque especulativo ao euro, aproveitando as debilidades de algumas economias, teria como consequência o aumento do custo da dívida externa, dificuldades de acesso ao crédito e o aumento do custo deste. Daqui resultaria uma quebra do crescimento económico e este traduzir-se-ia em mais desemprego e menos receita fiscal, em consequência a economia portuguesa poderia mesmo entrar em colapso.

Enquanto os países europeus enfrentaram a situação e tudo fizeram para contrariar os especuladores afirmando que a situação da economia grega nada que tinha que ver com a portuguesa, algumas personalidades foram mais oportunistas do que as empresas de rating que se aproveitaram das dúvidas para proporcionar argumentos para os seus clientes conseguirem juros mais elevados. O que personalidades com Manuela Ferreira Leite tentaram não foi denunciar ou alertar para a crise, foi mesmo provocar a crise alimentando a especulação em torno da real situação da economia portuguesa.

Todavia, há um ponto em que há semelhanças entre o que se passou na Grécia e o ocorreu em Portugal há poucos anos, a crise grega rebentou porque o governo grego denunciou a real situação da economia, pior do que isso, denunciou as mentiras contabilísticas feitas naquele país para iludir a real situação das contas públicas. Isso foi precisamente o que sucedeu em Portugal há poucos anos atrás, o governo do PSD escondeu o défice e a própria Manuela Ferreira Leite nada fez para o descer, limitou-se a truques contabilísticos (como a retenção do iva dos exportadores) ou a golpes de magia de feira como a venda das dívidas ao fisco a uma instituição financeira internacional.

Infelizmente nessa altura Cavaco Silva andava pouco preocupado com o curto prazo e limitava-se a fazer exercícios de adivinhação. É evidente que o país não pode continuar a sustentar o seu modelo de desenvolvimento com base em investimentos públicos financiados com recurso ao crédito, isso foi o modelo cavaquista que deu o resultado que está à vista. A alternativa é apostar nos bens transaccionáveis, como sugere agora Cavaco, mas para isso é necessário apostar na formação profissional, no ensino, na investigação, só assim será possível alargar a gama de produtos exportados e explorar os mercados onde não se faz sentir a concorrência resultante do desmantelamento tarifário que tem favorecido as economias asiáticas.

Compreendo perfeitamente que Cavaco Silva defenda a promoção da criatividade, é uma forma de iludir a realidade, de que serve a criatividade se não temos competências para promover a diversificação dos produtos transaccionáveis em que devemos apostar como diz Cavaco?

A verdade é que se o governo não tivesse reduzido o défice, ainda que esteja muito longe da consolidação das contas públicas, e se tivesse continuado a prática contabilística de Manuela Ferreira Leite Portugal estaria agora à beira da bancarrota. Se não tivesse apostado na modernização do ensino e num importante conjunto de reformas, contra a vontade do PSD e enfrentado a falta de solidariedade de Presidente da República mais preocupado com a sua própria imagem e reeleição, estaríamos agora mais longe de dispor de soluções para combater a crise.

É pena que Cavaco tenha tão boa memória para se recordar de alguns dos seus discursos e não a tenha para se recordar das suas políticas, gosta muito de dar conselhos mas muito pouco de assumir as responsabilidades que teve na oportunidade perdida de desenvolver o país. Recordando um famoso caso que se arrasta na justiça eu diria que Cavaco Silva parece ter amnésia lacunar, parece ter umas brancas, coincidência das coincidências só se recorda daquilo que lhe interessa.