sexta-feira, julho 01, 2011

Evasão fiscal, austeridade e preguiça governamental

Compreende-se que entre aumentar o IVA e aumentar o IRS o governo opte pelo aumento do imposto sobre o rendimento, um aumento do IVA poderia ter como efeito perverso a contracção do consumo e o aumento da evasão fiscal enquanto o aumento do IRS é mais confortável pois é só determinar quanto se quer cobrar e proceder à respectiva colheita no momento pretendido.

Também se compreende que entre um aumento da taxa máxima do IVA e uma reestruturação das listas para aumentar a taxa aplicável a alguns produtos que constam nas listas de produtos sujeitos a taxa reduzida ou a taxa intermédia, é nestes produtos onde um aumento do IVA terá menos impacto na retracção do consumo e onde a “colheita” envolve menos dificuldades pois este aumento de imposto será cobrado por meia dúzia de empresas, sabendo-se que muitas outras empresas irão repercuti-lo nos preços mas não o entregarão ao Estado.

“Compreende-se” ainda que se opte por cobrar impostos sobre o rendimento pois estes são os rendimentos que não fogem, ao contrário do que sucede com a riqueza onde a vigora a mentira de que esta é necessária para investir e que se for sujeita a impostos pode “fugir” para outras paragens.

Em nome da urgência em obter resultados os governos têm optado por serem preguiçosos, adoptam medidas que se concentram nas vítimas do costume, os que ganhando muito ou pouco não podem iludir o fisco. De foram ficam os muitos que iludem o sistema fiscal e há muito promovem a economia paralela. São uma classe social que beneficia há muito do estatuto de extraterritorialidade fiscal, que têm dinheiro para financiar políticos, que vivem à sombra dos truques inventados pelo contencioso fiscal, da corrupção e dos grandes escritórios de advogados, que têm acesso directo à produção da legislação fiscal garantindo esquemas legais que lhes permite ter sempre uma saída ou para não pagarem impostos ou para evitarem processos e, em caso de dúvida, recorrem aos tribunais e ainda beneficiam de processos arbitrais para dividirem a coisa a meio.

O lado mais sinistro desta política de austeridade é que os governos abandonaram o princípio da justiça e equidade fiscal, o Estado já não quer saber a quem cobra e se cobra com justiça, quer receita fácil e imediata e pouco importa que sejam os mais honestos e os que mais trabalham para este país sejam precisamente os que suportam as consequências de políticas erradas e da evasão fiscal.

O Estado pode não ter alternativas a adoptar medidas mas é irresponsável adoptá-las ignorando as consequências sociais, ignorando que os criminosos ficam de fora e beneficiam indirectamente estas medidas, que os cidadãos que não pagam impostos ficarão mais ricos e que as empresas que fogem ao fisco ficarão mais fortes e competitivas.
 
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PS: Ao contrário de muitos dos nossos jornalistas não fiquei impressionado com o Gaspar, o ministro disse o que já li em muitos blogues da direita, os adjectivos usados para as suas propostas não me deixaram impressionado e não gostei de o ver mastigar as frases enquanto receava olhar de frente para os deputados.


Fiquei com a impressão de que a falta de clarificação das medidas resultou claramente de falta de recursos técnicos e de impreparação, algo estranho quando está em causa retirar tanto dinheiro aos portugueses. A impreparação foi evidente quando ao longo do debate se começou em falar em metade do subsídio de Natal para depois se corrigir e dizer-se que o imposto adicional incidia sobre o total do rendimento de 2011. Foi também claro que os conceitos básicos de fiscalidade não são dominados pela equipa ministerial o que a levou a apresentar uma medida imprecisa, apenas se percebendo quanto pretende o governo arrecadar.

Por fim, não gostei da falta de rigor com que o ministro falou da dívida de Portugal, fê-lo como se fosse um mero blogger e apesar do ar muito sério com que discriminou a dívida nada mais disse do que aquilo que já foi escrito em todos os jornais e blogues e que tem sido repetido até à exaustão por Medina Carreira. De um economista e ministro das Finanças esperava que me explicasse quanta da dívida dos cidadãos, das empresas e do Estado é dívida a curto prazo, quanta da dívida dos cidadãos e das empresas é também dívida da banca ao exterior. Por exemplo, quando alguém pede dinheiro ao banco para comprar uma casa que vai pagar em 50 anos esta dívida é contabilizada como dívida do cidadão ao estrangeiro ou apenas como dívida externa da banca pois foi o banco que se financiou no exterior? Tenho a sensação de que nos números da dívida há duplicação de dados.

Teria ficado bem impressionado com o ministro se tivesse apresentado um conjunto de medidas fiscais que repartisse melhor o sacrifício e se tivesse sido capaz de avançar já com cortes nas despesas. O que fez não foi isso, limitou-se a ir ao pote que está mais à mão e para tal não é necessário tanto doutoramento, qualquer dona de casa deste país sabê-lo-ia fazer e se calhar até apresentava a medida num estado mais adiantado do que a confusão que foi lançada no país.