sexta-feira, março 08, 2013

O silêncio


Um dos aspectos mais impressionantes da manifestação do passado dia 2 não foram as palavras de ordem, os cartazes ou a diversidade de gente, foi o silêncio, um silêncio pesado que de vez em quando se transformava em Grândola, Vila Morena. Foi o mesmo silêncio que senti durante a manhã do sábado, era perceptível alguma tensão no ar, como se as pessoas estivessem reflectindo sobre o que iriam fazer nesse dia.

Onde os gregos reagiram com algumas dezenas de milhares os portugueses fizeram-no com mais de um milhão, onde os gregos se manifestaram numa cidade os portugueses manifestaram-se em todo o lado, onde os gregos gritaram e destruíram os portugueses contiveram uma imensa raiva e responderam ao poder com desprezo.

Talvez um Gaspar insensível a questões e com um profundo desprezo pelo seu povo devida voltar a goza com os portugueses dizendo que são o melhor povo do mundo. É certo de que o Gaspar não mudou de opinião, para o Gaspar os portugueses não são economistas reconhecidos em Bona ou em Frankfurt e por isso a sua opinião não conta. O Gaspar está convencido de que graças à troika as opiniões que contam são as autorizadas pelos credores, a democracia está suspensa e os portugueses não passam de ratos de laboratório.

Até aqui o governo tem abusado, adopta as medidas que lhe apetece, revela um total desprezo pela Constituição e para os que pensam que em democracia é normal estar-se preocupado com eleições o Passos Coelho diz que se está lixando para elas. A verdade é que como não conseguiu rever a Constituição decidiu destruir tudo o que estava protegido por essa mesma Constituição. Aos poucos vai destruindo o Portugal que odeia, um Portugal que a extrema-direita nunca aceitou.

Há a falsa ideia de que as revoluções só se fazem com silêncio e o silêncio do passado dia 2 parece deixar o governo tranquilo, mas o silêncio que ecoava na Av. da Liberdade fazia um eco ensurdecedor na imensa fachada onde é anunciada a nova loja da Cartier. No país onde um ministro das Finanças de competência muito questionável vai decidindo quem deve ser empobrecido e quem deve ser convidado a deixar o país os ricos têm motivos de alegria, Lisboa é uma cidade rica e moderna onde não falta uma grande loja da Cartier.
  
Resta saber se a loja da Cartier vai chegar a abrir ou se não fechará mais cedo do que se espera. É o que o silêncio dos portugueses pode ser uma revolução, a revolução que muita gente anunciava nos cartazes com que desfilaram na avenida. Mas nem nas cadeiras de economia, nem nas aulas de catequese da Universidade católica se explica aos futuros extremistas que um povo que não tem nada a perder e a quem tudo tiraram pode retribuir com uma revolução. Era assim que dizia o cartaz de uma manifestante. Mas o Gaspar não foi à manifestação e não terá tido a oportunidade de reflectir sobre esse cartaz.