sexta-feira, janeiro 10, 2014

A libertação dos funcionários do Estado

Os funcionários do Estado sempre ganharam menos do que os do sector privado e todos os portugueses sabem disso, as estatísticas que apontam para uma realidade distinta assentam no falso pressuposto de que a distribuição das qualificações dos funcionários públicos não difere das do sector privado, o que é uma mentira e parte do princípio de que um hospital é equivalente a uma fábrica têxtil ou que as qualificações num tribunal são equivalentes às de uma oficina de bate chapas. 

Para compensar estas desvantagens o Estado atribuiu aos funcionários públicos algumas pequenas compensações, como é o caso da ADSE. Já quanto ao vínculo é falso que seja uma oferta de estabilidade a troco de uma baixa remuneração, o funcionário público tem exigências e uma postura de serviço da causa pública que não se exige a ninguém no sector privado.
  
Este governo resolveu eleger um grupo social para suportar vagas sucessivas de austeridade, partindo do pressuposto de que desta forma minimizava o impacto eleitoral dessas austeridade. Até porque conta com muitos militantes no sector já que é a Função Pública que alimenta uma boa parte da militância partidária, principalmente no PSD. Ser militante do PSD foi muitas vezes a habilitação necessária para se ser chefe.
  
Eleitos os funcionários do Estado, no serviço ou aposentados atirou-se a populaça contra eles, criando a falsa ideia de que seriam os privilegiados e os grandes responsáveis pela crise financeira. Como é lógico a populaça apoiada por jornalistas da treta armados em economistas acreditou. Era uma mentira conveniente, se forem outros a pagarem toda a austeridade melhor para mim.
  
É evidente que os funcionários públicos sofrem hoje o que ninguém tinha sofrido, cada ano que passa tem um corte substancial dos rendimentos, ora porque ganha menos, ora porque desconta mais. Mas este sacrifício representa também uma libertação e dentro de poucos meses o país vai pagar com língua de palmo a canalhice que se está fazendo.
  
Acabou a cultura de serviço da causa pública, acabaram-se as horas extraordinárias sem qualquer remuneração que é prática em muitos serviços (no ministério das Finanças na época da elaboração do OE há quem seja obrigado a trabalhar até altas horas da madrugada, sem qualquer compensação), deixaram-se de haver factores que travam a opção por ofertas de emprego do sector privado.
  
O país vai pagar um preço muito alto quando uma boa parte da Função Pública mudar de cultura e os melhores quadros abandonarem o Estado, aliás, será esta a primeira consequência da saída da crise. Agora o país sai da crise à custa dos funcionários públicos, daqui a um ou dois anos serão os melhores quadros a sair do Estado lançando a Administração Pública da crise.
  
O maior golpe na competência do Estado, na Escola Pública ou no Serviço Nacional de Saúde não é o que resulta dos cortes financeiros, mas sim o que é consequência da desmotivação, da desresponsabilização e da perda dos melhores quadros. Não é viável regressar ao século XIX inventado na Função Pública um novo proletariado que com a sua miséria suportará o enriquecimento das outras classes sociais ou profissionais.
  
Quando a economia recuperar da crise e as empresas precisarem de quadros vão busca-los ao Estado pois uma boa parte dos quadros  mais jovens emigraram. Este não é um fenómeno novo e não há nenhum grande grupo empresarial que não conte nos seus quadros mais qualificados com ex-funcionários públicos.
  
Até a ADSE que agora é apresentada como um grande benefício irá desaparecer por pressão da Função Pública, não fará sentido que sejam os funcionários públicos os únicos a terem de suportar com descontos algo que mais não é do que um SNS privativo. Porque razão os funcionários públicos terão de fazer descontos brutais para alimentar um sistema gerido por partidos corruptos, quando podem obter idênticos benefícios no SNS. Quando  alguém se aperceber de que uma boa parte do que hoje custa a ADSE terá de ser suportada pelo Estado talvez se lembrem de fazer bem as contas. Porque razão são os funcionários públicos os únicos trabalhadores a serem forçados a terem um sistema de saúde cuja gestão é decidida pelas estruturas mais corruptas do poder?
  
Aquilo que está a ser feito aos funcionários públicos com o apoio de parte da populaça, de políticos corruptos e de jornalista da treta é uma grande canalhice, mas daqui a dois ou três anos serão os funcionários a agradecer a libertação de um vínculo laboral que os desfavorecia e o país ficará com um Administração Pública incapaz, incompetente e incompatível com aquilo que se exige do Estado no século XXI.