terça-feira, janeiro 21, 2014

Austeridade

Há por aí quem queira fazer passar a ideia de que o défice orçamental é de esquerda e o excedente é de direita, ou raciocinar a política económica como se o multiplicador de Keynes constasse num anexo ao “Capital” de Karl Marx. É óbvio que se a despesa aumentar de forma significativa é muito  provável que aumentem as importações do que a procura por bens nacionais, bem como é mais do que evidente que défices sucessivos resultarão numa dívida soberana que mais tarde ou mais cedo ou é insustentável devido a juros elevados ou terá de ser reembolsada.
  
Um dos maiores erros cometidos pela oposição portuguesa é centrar as críticas à austeridade como se esta fosse um inimigo do povo. Ainda ontem vimos Seguro fazer um passeio pelos hospitais, aproveitando-se das últimas notícias para fazer passar a ideia de que todos os problemas gerados pelo SNS são resultado da austeridade. Tudo começou com uma doente cujo diagnóstico se atrasou, um incidente igual a muitos ouros em que um SNS é farto. Aliás, a única vez que alguém da equipa de Seguro se pronunciou sobre saúde foi quando um tal Beleza, seu braço direito para o sector, disse que acabava com a ADSE de uma penada.
  
Esta estratégia preguiçosa e pouco consistente leva a que de um lado esteja Passos a defender o rigor e do outro Seguro a sugerir a fartura. Como grande argumento teórico de Seguro era apontado Hollande, mas tudo se desmoronou quando o presidente francês adoptou um programa de austeridade, de imediato aplaudido pela senhora Merkel e provocando sorrisos cínicos na direita portuguesa.
  
O problema da austeridade não reside no facto de ser um mal em si, gastar com rigor e produzir mais com menos dinheiro não é um mal em parte nenhuma do mundo, consegue-se muito mais com menos dinheiro e subtraem-se menos recursos às empresas que assim poderão investir mais, modernizar-se melhor, tornar-se competitivas e criar mais empregos.
  
Mas, da mesma forma que uma política expansionista pode ser mal conduzida não conseguindo resultados proporcionais ao esforço, também uma política de austeridade mal desenhada ou, para usar uma linguagem de ajudante de oficina, mal calibrada pode ter efeitos perversos. Se a política de austeridade deixa de ser equacionada no quadro da política económica para ser conduzida segundo frustrações pessoais ou ódios ideológicos pode ser um desastre, e é isso que tem sucedido em Portugal.
  
A política de austeridade que tem sido adoptada vai muito além dos conceitos de rigor financeiro, está misturada com ignorância, preconceitos e ódio ideológico. Não admira que se fale de redução do IRS e nenhum investidor se ofereça para investir, que se desregulamente o mercado de trabalho e não seja criado emprego, que se corte na despesa e não se consegue reduzir o défice. A política de austeridade deste governo é mal concebida e em vez de obedecer a raciocínios económico é dirigida segundo os complexos e ódios pessoais de quem tem o poder.
  
Um governo competente já teria cortado muito mais na despesa pública reduzindo o défice, sem tanta inconstitucionalidade, sem tanto jovem qualificado expulso, sem tanta pequena empresa destruída. A austeridade é necessária e inevitável, mas depois de tanta austeridade brutal o défice é o mesmo, a dívida aumentou e a capacidade da economia de produzir riqueza é mais pequena. Isto é, má austeridade conduz a mais austeridade. Não admira que depois de dois anos de desprezo pela oposição Passos e Cavaco tanto queiram o diálogo com o PS. Se esta política tivesse sido séria e e competente a esta hora nem um nem o outro quereriam ver o líder do PS pela frente.