sexta-feira, janeiro 17, 2014

Não se esqueçam

O país está assistindo ao espectáculo mais indigno de que há memória, uma boa parte dos portugueses aderiram por mero oportunismo à falsa conclusão de que os funcionários públicos são privilegiados para aceitarem confortavelmente que uma pequena parte dos portugueses sejam brutalizados e suportem quase em exclusivo a crise financeira. Os mesmos que em tempos justificavam os baixos vencimentos no Estado com a estabilidades, concordam agora com cortes brutais nos vencimentos dos funcionários públicos com o argumento de que ganham muito acima da média.
 
Para os ricos é preferível que sejam os que não são ricos a pagar a crise, para os pobres é preferível que seja a classe média e para os trabalhadores do sector privado é preferível que sejam os do sector privado. O governo sintetizou e cada vez que precisa de reduzir défice vai buscar o dinheiro aos funcionários públicos no activo e aos que se aposentaram. O governo apregoa um milagre económico e uma boa parte dos portugueses fica contente porque o vaso caiu em cima do vizinho.
 
Os funcionários públicos estão suportando as consequências das más políticas de governos que todos elegeram, estão pagando as consequências de uma lógica política iniciada por Cavaco Silva segundo a qual os portugueses votavam nos que faziam mais obras para inaugurar, estão a pagaras consequências da evasão fiscal, estão a suportar a redução do IRS, estão a financiar as ajudas ao sistema bancário, estão a pagar o BPN, estão suportando as perdas resultante da venda do pavilhão Atlântico ao preço da uva mijona e até estão suportando os lucros chorudos que a família de Cavaco Silva ganhou com as acções da SLN.
 
Se for necessário mais um esforço orçamental os portugueses podem estar descansados, este governo faz mais uma declaração uma calibração ou uma aproximação ao sector privado e volta a cortar 10% nos vencimentos e pensões da Função Pública. Os portugueses que não pertencem ao grupo dos eleitos podem estar descansados, vivem no país sem austeridade, num país onde desce o IRS, onde só paga impostos quem quer, onde os banqueiros só podem ter lucros. Os outros portugueses, os funcionários públicos e pensionistas do Estado, são gente inferior que vive num gueto onde não há direitos, onde os salários são fixados arbitrariamente.
 
Esta é a situação de um país onde só há unanimidade no funeral do Eusébio ou onde só há nação quando o Ronaldo joga, no resto do tempo somos um povo onde não faltam canalhas, corruptos e oportunista, gente sem qualquer solidariedade, eleitores que à sua escala são tão oportunistas quanto os políticos.
  
Mas é bom que políticos sem princípios e eleitores oportunistas não se esqueçam de que um dia destes quando estiverem numa urgência hospitalar o médico que os vai tratar ganha menos do que uma empregada doméstica, o polícia que vai proteger os seus bens vive pior do que o ladrão, o engenheiro que verifica a segurança das pontes está ao nível do servente de pedreiro. Os que agora sorriem porque a austeridade só recai sobre o vizinha não se esqueçam de que estão colaborando com a destruição do Estado .
 

Mas é óbvio que se vão esquecer e daqui a uns tempos políticos, jornalistas e cidadãos comuns vão dizer que os funcionários públicos são incompetentes, que entram tarde, que não fazem nada e ainda ganham mais do que os outros. Cada país tem o povo que merece e começa a ser tempo de considerar todas as equações quando se estudam as causas do nosso subdesenvolvimento endémico.
  
Se fizessem aos empregados de uma empresa aquilo que está sendo feito aos funcionários públicos há muito que essa empresa estaria falida. Mas no Estado os funcionários ainda insistem na velha cultura do serviço público e apesar do que lhes é feito ainda se comportam com dignidade. Mas já faltou mais para que comecem a "arrear" e quando isso suceder é bom que os que agora se calam não se esqueçam do seu oportunismo e cobardia.