segunda-feira, setembro 12, 2016

A mão por detrás do arbusto

O desinteresse colectivo de uma boa parte do país por Cavaco Silva leva a que não se preste grande atenção ao que Fernando Lima fez questão de antecipar sobre o que está escrito no livro com cuja publicação vai tentar ganhar uns cobres, agora que dispensado pelo Estado terá deixado de contar com a ajuda financeira dos contribuintes. O país estava enjoado do senhor da Quinta da Coelha e pouco interessado nas personagens rastejantes que o serviam.

Mas, o pouco que Frenando Lima disse foi grave, só numa pequena notícia publicada no DN percebe-se que o respeito pela legalidade democrática não era a praia de Cavaco Silva e dos seus assessores, aquilo mais parece um canto escuro da Casa Branca do tempo do Caso Watergate do que a instituição exemplar deixada por Eanes, Sampaio e Soares a essa personagem pequenina de Boliqueime.

"Quando a transcrição das escutas do "Face Oculta" foi divulgada, em Fevereiro de 2010, para Cavaco Silva não constituía uma novidade que nelas constassem o nome de Luís Montez. Em meados de Outubro de 2009, fora informado por um magistrado de que esse processo incluía uma alusão ao seu genro.» Quem o escreve é Fernando Lima.

Isto é, um magistrado violou o segredo de justiça para que Cavaco ficasse a saber do conteúdo de escutas telefónicas feitas no âmbito do Processo Face Oculta, a propósito do negócio PT/TVI. Recorde-se que Cavaco Silva fez intervenções públicas que influenciaram a decisão da PT (DE) e que o sindicalista dos magistrados do Ministério Público era uma visita frequente de Belém. Por coincidência, o procurador que investigava o Caso Face Oculta é irmão da Procuradora-geral e filho do director Nacional da PJ nos tempos em que Cavaco Silva era primeiro-ministro. Aliás, o próprio procurador Marques Vidal chegou a declarar que "o poder político da altura estava informado não só da existência das escutas como da existência do processo". A comunicação social identificou à época esse "poder político". Resta saber que lei permitia a Cavaco a qualquer outra entidade aceder ao processo. Ou será que a separação de poderes não existia no interior da família cavaquista?

Mas o deboche era tanto que o próprio Fernando Lima parece não se aperceber de que está promovendo o seu presidente a um estatuto muito duvidoso. Na Presidência da República de Cavaco Silva fazia-se mais do que saber do conteúdos de escutas telefónicas. Também se encomendavam investigações privadas para identificar vozes críticas para Sua Excelência. É o próprio Fernando Lima que reconhece ter mandado fazer uma investigação particular a este blogue.

Pelo pouco que se sabe do livro de Fernando Lima percebe-se que em Belém e a legalidade não era a praia daquela gente, para Fernando Lima, o homem que assumidamente cuidava de algumas acções sujas em defesa dos interesses do seu chefe o respeito pela lei era algo que não lhe assistia. É legítimo perguntar que mais intervenções terá tido a equipa presidencial à margem da lei, quantas entidades foram nomeadas por indicação de Belém para que Cavaco a equipa presidencial pudesse portar-se desta forma com total impunidade?

Começa a sentir-se que na sociedade portuguesa houve uma mão atrás do arbusto que interferiu em muita coisa que tem acontecido em Portugal, uma mão com vários dedos ao seu serviço que não respeitava os limites da lei, que tinha livre acesso a processos em segredo de justiça, que mandava fazer investigações privadas a cidadãos e sabe-se lá o que mais.

PS: Há coincidências levadas da breca, quando o livro do Lima era notícia eis que surge Mário Alexandre, um magistrado que se podia juntar a Cavaco Silva no clube de fãs de Sócrates. E se em Belém as práticas eram pouco legais eis que este magistrado fala em termos que se não constituem crime, pelo menos serão pouco dignos de um juiz e muito menos de um juiz de instrução, aquele que num processo de investigação vela pela defesa dos arguidos.